SERMÃO DO PRETÓRIO
Eis o homem, eis o vosso Rei! (Jo 19,5)
Meus irmãos, minhas irmãs,
Nessa noite santa, qual vigília para iniciarmos juntos, a Semana Santa, somos chamados a refletir sobre os acontecimentos que envolveram a condenação de Nosso Senhor Jesus Cristo à morte.
Inocente, ele sofre por causa dos pecadores. Condenado, haverá de entregar a sua vida em obediência ao Pai e por amor a todos nós. Haverá de morrer na cruz para nos libertar das escravidões maiores da morte e do pecado. Assim Deus amou o mundo: não poupou o seu filho unigênito, mas o entregou pela nossa salvação e a do mundo inteiro, para que tivéssemos vida e vida em plenitude.
Tudo começou com a traição de Judas no Jardim das Oliveiras. Ele era um dos que Jesus escolheu para fazer parte do grupo dos apóstolos, mas por causa da ambição e do egoísmo, por causa de umas poucas moedas, Judas traiu Jesus com um beijo, entregando-o às autoridades do povo. Quem somos nós para acusar Judas? Quantas vezes traímos Jesus com nossos egoísmos, com nosso apego excessivo aos bens materiais, ao dinheiro, ao poder, a uma vida nos prazeres desordenados?
Preso, Jesus foi acoitado, coroado de espinhos. Aqui Pedro, outro dos apóstolos, foi ver Jesus que sofria. Reconhecido por uma criada que lhe disse: “tu também és um deles”, Pedro negou, renegou a Cristo por três vezes para depois chorar amargamente a sua fraqueza com o cantar do galo, conforme lhe profetizara o próprio Jesus.
Quem somos nós para acusar Pedro? Nós com as nossas quedas, com nossas falhas, quantas vezes negamos Cristo, sobretudo não o reconhecendo nos novos rostos dos pobres que, quais Lázaros, batem cotidianamente em nossas casas e em nosso coração pedindo inclusão, misericórdia e solidariedade. Nós que o negamos, com o nossa inconstância na prática da fé. Quanta incoerência, quanta fraqueza na fé!
Depois veio o vozerio dos fariseus e do povo, gritos de ódio e de vingança contra alguém que só fizera o bem: curara os leprosos e coxos, alimentara a multidão faminta, expulsara os demônios, afugentando os males e anunciando a chegada do Reino de Deus, de vida, verdade e salvação.
Gritos de ódio e de vingança, meus irmãos, que atiçaram Pilatos a condenar Jesus à morte. Gritos que parecem fazer eco também aos dias de hoje: “Não temos outro Rei a não ser César”; “Solta-nos Barrabás” e quanto a Jesus? “crucifica-o, crucifica-o”. Não podemos condená-los se nós trazemos em nosso coração esses mesmos sentimentos de raiva, ódio e vingança; se nós não aprendemos a perdoar; se nós achamos que a solução diante da insegurança social e do banditismo é a de agir com a mesma agressividade e violência, assumindo para os dias de hoje uma nova “lei de Talião – dente por dente, olho por olho”, confundindo justiça com vingança.
E Jesus foi apresentado a Herodes, governador de sua região que zomba dele. Antes é apresentado a Anás e a Caifás, Sumo Sacerdotes. Caifás o interroga com ironia: Onde estão os seus discípulos? Jesus não responde, cala-se com dor profunda: um dos discípulos o traiu; outro o negou três vezes; os outros fugiram de medo… Onde nós estamos, seus novos discípulos e discípulas? Quantas vezes distantes dele por causa de nossos pecados, de nossas injustiças, omissões, violências e discriminações. Como acusar Herodes, Anás e Caifás se, por vezes, nós nos parecemos muito com eles, quando manchamos nossa alma, nossa vida, com o horror de tantos pecados e misérias!
Voltando a Pilatos, este com medo das ameaças dos fariseus e da população apresenta-lhes Jesus flagelado, coberto com seu manto de porte real, dizendo com desprezo: “Eis o homem, eis vosso Rei” E Pilatos, nos dizem as escrituras, lavou as mãos covardemente, condenando Jesus à morte.
Quantas vezes agimos assim: covardemente, não defendendo a vida do justo e do inocente, do mais pobre; não defendendo a vida indefesa, até mesmo no ventre da mãe, antes de nascer para este mundo? Quantas vezes nos deixamos levar pelo respeito humano nos acovardando em dar verdadeiro testemunho da fé; quantas vezes deixamo-nos levar pela indiferença, fazendo-nos surdos aos ensinamentos e apelos da fé?
Apegado ao poder e paralisado pelo medo, Pilatos lava as mãos… por muito menos, quantas vezes também imitamos Pilatos: lavamos nossas mãos, não cumprindo com nossos deveres cristãos na família, na comunidade e na sociedade?
Irmãos e irmãs, entre as motivações para a morte de Jesus estão as de ordem religiosa e de ordem política.
Junto às lideranças religiosas do povo, no Sinédrio, testemunhas falsas acusam Jesus, sem consistência, até que o sumo sacerdote o intimou: “Eu te conjuro pelo Deus vivo que nos declares se tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo! E Jesus respondeu: “Tu o disseste”. Então o sumo sacerdote, rasgando as vestes, sentenciou: Ele blasfemou , não precisamos mais de testemunhos, é réu de morte!
No código legal judeu não havia infração maior que alguém declarar-se o Messias, filho de Deus. Jesus foi achado culpado de blasfêmia pela corte judaica e tido como merecedor da pena de morte. Não obstante, sob a ocupação romana, os líderes judeus não tinham autoridade para aplicar a pena de morte. Havia a necessidade de fazer a acusação perante as autoridades romanas. Contudo, a blasfêmia contra uma divindade judaica não era crime punível com a pena capital pelas leis romanas. Por causa disso, quando os judeus levaram o acusado perante Pôncio Pilatus, ele inicialmente recusou em reconhecer os crimes alegados, não encontrando em Jesus, como anteriormente já o fizera Herodes, nenhuma motivação para a sua morte.
Foi quando as autoridades dos judeus, sutilmente, modificaram a acusação: ao invés de continuar acusando Jesus de blasfêmia, eles agora o denunciam como pretendendo assumir o posto de Cesar, ou seja, de ser rei. Pilatos, como governador romano, tinha agora que considerar seriamente esta acusação de infidelidade ao império romano.
Jesus diante de Pilatus, encontro da inocência diante da força dominadora; do santo diante do pecador, da verdade e justiça divinas, diante da falsidade e pretensa justiça humana.
Pilatos pergunta a Jesus: “És, de fato, o rei dos judeus?” E Jesus responde: “O meu reino não é deste mundo. Se o meu reino fosse deste mundo, meus ministros lutariam para que eu não fosse entregue aos judeus. Para isto nasci e para isto vim ao mundo: para dar testemunho da verdade. Todo aquele que está na verdade ouve a minha voz” (Jo 18,33-37).
A verdade! Pilatos sentiu-se desconcertado. Perguntou a Jesus o que é a verdade, mas saiu logo, sem ouvi-lo. Para Pilatos, a verdade eram as seguranças deste mundo: as legiões romanas, a riqueza, a glória, o gozo, o triunfo… Ainda assim, ele declarou que o acusado não era culpado de crime algum contra as leis romanas. Mas, vendo que o tumulto aumentava, lavou as mãos e, pressionado, entregou Jesus para ser crucificado. Jesus foi condenado à morte!
Somos, todos, parte desta condenação. Pelos pecados de ontem e de hoje, entrega Jesus a sua vida. Ele cumpre, na plenitude dos tempos, a promessa do Pai de salvar o seu povo. Assim Deus amou o mundo! O mais inocente dos homens, o filho de Deus, traz nos lábios a amargura da traição de Judas e das nossas muitas traições… Nos olhos traz a tristeza pela negação de Pedro e das nossas muitas negações… No corpo, os estigmas sangrentos da condenação de Pilatos e das nossas violências feitas aos irmãos e irmãs. “O que fizeres ao menor dos pequeninos é a mim que o estais fazendo”.
É por nossa causa que Jesus vai subir o calvário com a cruz às costas. Para cada um de nós, como para Judas, ele deixa, com sua expressão de amor na dor, uma palavra: é hora de conversão. Para cada um de nós como Pedro, ele dirige um olhar de misericórdia e de perdão. Para cada um de nós, como a Pilatos, ele mostra o caminho da virtude, do bem e da verdade. O que estamos esperando? Pode ser esta talvez a nossa última Semana Santa nesse mundo.
Celebremos então, contritos, este tempo especial da graça de Deus para sermos merecedores, desde já e no futuro com plenitude, dos frutos da paixão, morte e ressurreição de Jesus. Você, eu que somos também causa da condenação de Jesus com nossos pecados, aprendamos a testemunhá-lo com a nossa vida cristã. Temos que viver com verdadeira autenticidade a nossa inserção cristã na Igreja e o nosso compromisso de ser sal e luz no mundo. O tempo é agora, comecemos, com passo renovado, a partir desta Semana Santa. Assim seja!
Padre Marcelo Moreira Santiago