Acredito que esta tenha sido uma das últimas conferências de Dom Luciano Mendes de Almeida. Ele a proferiu no Simpósio Teológico do 15° Congresso Eucarístico Nacional. Ao chegar a Florianópolis, para participar do Congresso, entregou ao responsável pelo Simpósio, Pe. Vitor Galdino Feller, o texto digitado (itens 1 a 16). Na noite de 18.05.06 escreveu a última parte (itens 17 a 19), cujo manuscrito entregou na manhã seguinte. Ao fazer a palestra, na manhã do dia 20.05.06, no CentroSul, seguiu o texto muito livremente. Falou durante uma hora e meia, sendo aplaudidíssimo no final. Este texto foi publicado, junto com os textos das demais conferências do Simpósio Teológico, no último número da revista Encontros Teológicos (www.itesc.org.br), do Instituto Teológico de Santa Catarina – ITESC, de Florianópolis. Em breve, publicaremos a conferência tal qual foi proferida.
A divulgação desta conferência foi a maneira encontrada pela Arquidiocese de Florianópolis para homenagear Dom Luciano Mendes de Almeida, um bispo eucarístico.
Florianópolis, 1° de setembro de 2006.
Dom Murilo S.R. Krieger, scj
Arcebispo de Florianópolis
EUCARISTIA E TRANSFORMAÇÃO DA SOCIEDADE
Dom Luciano Mendes de Almeida, SJ
Arcebispo de Mariana (MG)
Na Eucaristia acolhemos na fé a bela “teofania”, a manifestação do amor de Deus, do Pai, do Filho e do Espírito Santo para conosco. Jesus Cristo, enviado pelo Pai na força do Espírito, derrama seu sangue por nós na cruz, abre seu coração e revela o infinito amor de Deus pela humanidade.
A tal ponto Deus (Pai) amou o mundo que nos enviou seu próprio Filho (Jo 3,16). Dar a vida por nós é a mais forte expressão do Amor: “Amor maior não há do que dar a vida por seu irmão”, por todos nós (Jo 15,13).
Na celebração da Eucaristia somos convocados a reconhecer que Deus nos ama, ama a cada pessoa humana e oferece a todos a salvação. “Este é o cálice do meu sangue, o sangue da nova e eterna aliança que será derramado por vós e por todos para remissão dos pecados”.
O amor eterno e invisível da Trindade faz-se visível pela doação de Jesus na cruz. É a certeza desse amor que perdoa nossos pecados e ilumina toda nossa vida.
Ao derramar seu sangue por nós, Jesus sela e ratifica a Nova e Eterna Aliança entre Deus e a humanidade. Vem reunir os filhos dispersos (Jo 11.52) e aproximar-nos para sempre da misericórdia divina. É a obra da reconciliação (2 Cor 5.15; Ef 2.11).
Pela ação do Espírito Santo o pão e o vinho se tornam Corpo e Sangue de Cristo e todos nós formamos um só corpo. (Epiclese do Cânon eucarístico). Unidos a Cristo, estaremos unidos entre nós. Somos irmãos e irmãs, filhos e filhas de Deus pela criação paterna de Deus, mas também porque fomos todos resgatados pelo mesmo sangue de Cristo. Ao oferecer-se como nosso alimento, Jesus nos une a Ele e estreita entre nós os laços de fraternidade (1 Cor 10.17)
Cristo é, assim, o centro da comunidade eclesial. Nele todos se encontram superando as diferenças e distâncias de raça e cultura. Formamos pelo amor uma só família.
Ao dizer aos Apóstolos “Quem come de minha carne e bebe do meu sangue vive de mim”, Jesus nos introduz nos seus próprios sentimentos, valores e critérios. Ajuda-nos a participar de sua vida e nos tornarmos seus discípulos, sempre mais semelhantes a Ele. Dá-nos exemplo de amor oblativo, gratuito e total e convida-nos a amar como Ele ama.
O fruto primeiro da comunhão com Jesus na Eucaristia é o amor oblativo que deverá ser a norma de vida dos discípulos. “Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei” (Jo 13,35). Para Jesus, amar é dar a vida por nós.
Entrar em comunhão com Cristo na Eucaristia é deixar-se possuir pelo seu dinamismo de amor e aprender com Jesus a dar a vida pelos irmãos. São João resume assim a grande dicção do amor. “Deu a vida por nós e nós devemos dar a vida pelos irmãos” (1 Jo 3.16).
A Eucaristia está assim no centro da vida eclesial, de comunhão fraterna e doação ao próximo, abrindo-se à força do amor que vence todo egoísmo e faz-nos buscar o bem espiritual e material do próximo.
Compreendemos, assim, a beleza do tema escolhido pelo Papa João Paulo II para o último Sínodo: “A Eucaristia é a fonte e o ápice da vida e da missão da Igreja”.
Ao entrar nesse mundo, tão marcado pelas injustiças e pelo ódio, pela segregação e perda de sentido da vida, Jesus Cristo vem nos ensinar a amar com o amor de Deus e a sermos felizes.
O Mestre toma nas mãos o jarro com água e lava os pés dos discípulos. Veio para servir (Mc 10. 45) e faz questão de nos ensinar a fazer como Ele. Ser discípulo é assumir como lema de cada dia o serviço gratuito aos irmãos e irmãs, a começar com os mais necessitados.
A beleza do amor gratuito está em viver a generosidade e a alegria de Deus que “nos amou primeiro” (1 Jo 4.10) e quer o nosso bem antes que nós possamos amá-lo e agradecer-lhe.
Os gestos de amor gratuito não pesam, nascem da bondade do coração e alegram a pessoa que ama no mais profundo de seu ser. A felicidade está em dar (Atos 20. 35), isto é, em experimentar a beleza de fazer bem, de ajudar os outros, como fruto da bondade, a exemplo do próprio Deus. Ao lavar os pés, Jesus acrescenta: “sereis felizes se fizerdes assim” (Jo 13,17).
Para ser feliz assim é preciso amar gratuitamente.
Na lógica do amor gratuito somos chamados a amar a todos, mas dedicando-se mais aos que estão em maior necessidade. É o exemplo da mãe em família: ama a todos os filhos e filhas, mas devota-se mais aos pequeninos e a quem tem alguma deficiência. O amor é o mesmo, mas usa de sabedoria e inteligência.
Esta atenção prioritária aos mais pobres caracterizou as primeiras comunidades cristãs, empenhadas em que todos tivessem o necessário, colocando até os recursos em comum.
A força e a beleza do amor gratuito marcaram o próprio ensinamento dos apóstolos que, ao celebrarem a Eucaristia, ensinaram a necessidade de acolher o próprio Cristo no pobre (1 Jo 3.20). É sempre a lógica do amor gratuito
O Papa João Paulo II ilumina esta atitude de ir aos mais necessitados, afirmando que “a predileção pelos últimos é a garantia do amor a todos”. A razão é que neste amor aos últimos se manifesta a verdade e a pureza da gratuidade. Quem não se lembra das palavras de Jesus em Lc 14,13 formando os discípulos para a gratuidade: “quando deres uma ceia convida o pobre, o coxo, o cego porque eles não podem te convidar”. O Pai do Céu está atento e saberá recompensar a gratuidade do amor.
A mais surpreendente revelação do amor encontra-se no perdão de Deus porque expressa de modo evidente a gratuidade do amor cristão. Não se trata de perdoar só a quem pede perdão. É mais. É necessário viver o “amor primeiro” e oferecer o perdão antes que no-lo peçam. Assim Deus nos perdoou, oferecendo-nos as condições de total reconciliação. Deixemos-nos penetrar pelas palavras do Divino Mestre: “Ouvistes dizer: “Olho por olho, dente por dente, amai vossos amigos, odiai vossos inimigos. Eu, porém, vos digo: amai vossos inimigos. Fazei o bem a quem vos ofende, rezai por quem vos calunia e persegue e sereis filhos de vosso Pai que está nos céus” (Mt 5.38). É este amor-perdão que Jesus espera de nós ao oferecermos a nossa oferta na Eucaristia: “vai reconciliar-te com teu irmão e depois oferece a tua oferta” (Mt 5.23).
Estamos, assim, encontrando as raízes mais profundas da convivência humana e da transformação da sociedade.
Certamente são muitos. Alguns dos desafios pelo potencial de destruição que possuem, requerem ação imediata e conjunta.
Estes e outros desafios demonstram que a nossa sociedade precisa de uma ação transformadora que aponte verdadeiros valores e fundamente uma convivência na justiça e na concórdia.
A encarnação do Filho de Deus e sua entrada na história humana vieram em socorro da humanidade injusta e conflitante. Jesus Cristo anuncia uma vida nova para a humanidade, cuja lei é o amor primeiro, o amor gratuito que proclama ao celebrar a nova e eterna Aliança. Diante de um mundo desigual, e injusto onde atua o ódio no coração humano que causa divisões e desânimo, a resposta é o mandamento do amor, promulgado pela sua palavra e seu testemunho de entrega por nós.
A Eucaristia apresenta-se assim como a força renovadora da sociedade enquanto vai nos ajudar pela vivência do amor a enfrentar os desafios que minam e destroem a convivência humana.
O Papa João Paulo II afirma, com zelo e clarividência, que a autenticidade de nossas celebrações eucarísticas está ligada à operosidade fraterna, indo ao encontro das muitas pobrezas do mundo.
Pensemos no drama da miséria, nas doenças endêmicas, na solidão dos idosos, na angústia dos desempregados e na situação aflitiva dos imigrantes. A solicitude pelos irmãos e irmãs que passam por necessidade espiritual e material manifestará ao mundo que somos verdadeiramente discípulos de Jesus Cristo.
É fato conhecido que os recursos à nossa disposição são mais do que suficientes para alimentar a humanidade. O que falta é a distribuição eqüitativa dos bens. E isso não acontece porque falta a vivência da fraternidade. A Eucaristia é preparada por Jesus com as multiplicações do pão e dos peixes, transmitindo aos discípulos o dever de dar pão a quem tem fome. “Tive fome e me destes de comer” (Mt 25, 40) e a palavra diante de multidão: “Dai-lhes vós mesmos de comer!” (Lc. 9,13). É, pois, um dever básico da fraternidade que se estende a todos se distinção.
A Eucaristia é justamente a ação de Jesus Cristo alimentando-nos com seu corpo e sangue, ensinando-nos a partilha e a responsabilidade de saciar os famintos.
Assim, desde o início, os cristãos uniram a celebração da Eucaristia com a caridade fraterna que se expressa na partilha dos bens com os irmãos.
A lição da Eucaristia vale para nós, cristãos, que ainda não aprendemos a assumir o dever da caridade e por isso somos co-responsáveis pela fome e miséria de nossos irmãos e irmãs. Cada celebração da Eucaristia deveria nos questionar diante de Deus e levar-nos a partir o pão com os irmãos.
Compreendemos melhor esta exigência da Eucaristia à luz da encíclica do Papa Bento XVI: “Deus é Amor”. Temos, sem dúvida que fazer com convicção e generosidade, os gestos de amor e partilha, atendendo aqueles que vêm às nossas portas e que precisam do necessário.
No entanto, a força da Eucaristia deve nos impulsionar para atitudes mais abrangentes e procurar transformar a sociedade por meio de leis e políticas públicas que modifiquem o sistema de acumulação doentia de bens aumentando a riqueza de poucos e segregando cada vez mais os pobres. A Eucaristia deve unir a comunidade a serviço dos mais pobres e habilitar os cristãos a contribuir para leis e medidas que garantam vida digna para todos: trabalho, salário justo e moradia.
Pior do que a fome é o ódio que destrói o amor. A história, infelizmente, manifesta formas insuspeitadas de maldade: agressões, torturas e assassinatos. A única solução é renunciar ao uso da violência e tornar-se aprendiz do amor. Hoje, constatamos que há quem procure justificar o uso da violência até contra inocentes.
A Eucaristia reafirma a entrega da vida de Jesus para o perdão dos pecados. O profeta compara o Messias ao cordeiro manso que é imolado. Jesus de modo livre e consciente passou pela violência, fruto do ódio e pediu ao Pai que perdoasse os que o crucificavam. Pagou o mal com o bem. Venceu o ódio pelo amor gratuito. O mundo não terá Paz se não descobrir o caminho do perdão. A bondade desarma.
A Eucaristia é compromisso de amor gratuito em relação aos que nos ofendem. Somente assim, será possível acabar com guerras e vinganças, quando o amor de Cristo na Eucaristia penetrar no coração da humanidade.
Ele é o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo.
A fome mata. O ódio gera tantas formas de agressão e maldades. Os resultados são dramáticos. A humanidade desde os primórdios tem sido cenário de divisões, segregações e discórdias.
A Eucaristia é mensagem de comunhão fraterna, não só enquanto nos ajuda a vencer o egoísmo e partilhar o pão e também quando elimina o rancor e o dinamismo de vingança, mas enquanto consegue superar mágoas e ressentimentos e aproximar os distantes e convencer-nos de que em Cristo somos todos irmãos e irmãs, para além de toda diferença e divergência.
Na celebração da Eucaristia encontram-se todos, sem distinção, igualmente filhos e filhas de Deus, portadores da mesma dignidade.
Esta lição é importante. Uma família pode ter muito dinheiro, mas se as pessoas estão divididas é grande o sofrimento. Não há concórdia, nem paz. A mesma divisão existe no seio da sociedade e até na Igreja. A Eucaristia nos compromete com a busca da comunhão e unidade, Jesus reza ao Pai “que todos sejam um” (Jo 17,25). Nascem daí as atitudes de respeito, apreço e capacidade de conviver aceitando as diferenças como riquezas no interior da fraternidade.
Aos cristãos está reservada a missão de testemunhar e construir, pelo perdão e pelo diálogo, a concórdia no seio da sociedade.
O Papa João Paulo II, na sua carta sobre a Eucaristia (Mane Nobiscum, Domine) aponta a dimensão de esperança que Cristo nos oferece na Eucaristia. Somos peregrinos para a Casa do Pai. A fase atual é de enfrentamento das vicissitudes da vida, mas é indispensável manter o olhar fixo no horizonte. Jesus promete a Ressurreição e a entrada na Casa do Pai. Assim, a Eucaristia relembra e reafirma a alegria da vida plena e feliz. Jesus promete que há de nos preparar um lugar (Jo 14, 1-2), onde não haverá mais nem lágrimas, nem morte, nem dor (At 21-4).
Diante de tantas divisões e fogos fátuos de decepções e desânimos, a Eucaristia reforça em nós a certeza da felicidade prometida por Deus e garante o rumo certo para o caminho da vida: “Jesus é o caminho, a verdade e a vida”. . Vencemos assim o medo da morte. A Eucaristia reaviva em nós a dimensão pascal e aponta para o céu. É penhor de vida eterna.
A transformação da sociedade exige de nós a superação dos pseudo-valores erigidos como prioritários e o anúncio dos valores que realizam plenamente a pessoa e a sociedade: a justiça, o perdão.a reconciliação e a paz, a concórdia e a esperança da vida plena em Deus.
A visão cristã da história não se confina com os discípulos de Jesus. Ela é mais abrangente e se estende a toda a humanidade pela qual Jesus deu a sua vida. Ele é o Salvador do mundo (1 Jo 2.1)
A Eucaristia fortifica os discípulos para fazer o bem a todos. “Assim como o Pai me enviou, assim eu vos envio para o mundo” (Jo 18,17). Jesus quer que sejamos missionários do Reino, anunciando a todos o projeto salvífico de Deus. Ele se declara o “Pão vivo que desceu do céu para a vida do mundo”. A Igreja aprende na Eucaristia a oferecer sua própria vida com a vida de Jesus pela salvação do Mundo. Unida a Cristo na fé, a Igreja é esposa, companheira, associada no mistério da salvação.
A Igreja, unida a Cristo, reza pelo mundo e intercede com Jesus pela redenção de toda humanidade: os que crêem em Deus, os que têm outras crenças, os que atentam contra a própria vida, todos estão envolvidos pela prece da Igreja, que na Eucaristia faz-se oferta “Por Cristo, com Cristo, em Cristo” pela salvação do mundo.
O serviço à vida por parte dos cristãos consiste em partir o pão e lutar por condições dignas para todos. Mas, vai além. Temos que oferecer aos outros o que temos de melhor: o conhecimento de Jesus Cristo e os valores do seu Reino.
É preciso – como prova de amor fraterno – manifestar a cada pessoa a própria dignidade à luz da filiação divina. Todos têm o direito de saber que são amados e perdoados por Deus, pois que Jesus deu a vida por todos.
O anúncio explícito de Jesus Salvador é a grande dádiva que fazemos a quem ainda não o conhece: transmitir a alegria do perdão dos pecados, vitória sobre a morte e de vida nova na graça de Deus.
A história da Igreja está repleta de testemunhos dos discípulos que fortalecidos pela Eucaristia a exemplo da Mãe de Deus dão sua vida na confiança no Pai e na entrega ao próximo, transformando o mundo pelo amor.
Recordemos tantos nomes, entre os quais Dom Oscar Romero, assassinado ao celebrar a Eucaristia, Padre João Bosco Burnier, irmã Cleusa e recentemente Irmã Doroty. Lembro-me especialmente do Cardeal vietnamita Francisco Xavier Van Thuan que em comunhão com Cristo na Eucaristia manteve-se sereno e confiante, conseguiu superar nove anos de cárcere no isolamento total e venceu pelo amor perdoando a quantos o mantinham na prisão.
Mas a força da Eucaristia se manifesta igualmente nos gestos de amor das mães e pais vivendo a fé na dedicação aos filhos, no cuidado dos filhos pelos pais, no amparo aos idosos e enfermos, na doação aos membros da comunidade aos necessitados, assegurando alimentos, oportunidades de trabalho, auxílio para saúde e outros. São testemunhas silenciosas do amor gratuito que Cristo nos comunica na Eucaristia.
Fala-se muito do mundo possível. É verdade. Creio que podemos acreditar que outra sociedade é possível, marcada pela justiça, desde que o mandamento de Cristo na Eucaristia, o amor gratuito, seja a lei interior de nossa vida e da sociedade.
Na força da Eucaristia podemos com auxílio divino vencer o ódio com o amor, a violência com a paz, a discórdia com a reconciliação e o desespero com a esperança.
O segredo da transformação da sociedade está na mudança das relações humanas.
A grande luz encontra-se no preceito do amor gratuito, a imitação do amor divino.
É na Eucaristia que entramos em comunhão com o testemunho e a força de Cristo que nos alimenta e vivifica e envia a amar a todos como Ele nos amou.
Os discípulos aceitam a missão de transformar a sociedade, mas sabem que “o mundo possível” está marcado pela fragilidade da liberdade humana e pela convivência entre o egoísmo e o pecado por um lado e o amor perfeito e a servidão, por outro.
Assim, a transformação do mundo se realiza na história com toda a sua vicissitude. Jesus Cristo, ao instituir a Eucaristia, comunicou aos discípulos que permanecessem no mundo, “sem ser do mundo” (Jo 17,15 e 16). Pediu ao pai que não os tirasse do mundo, mas os preservasse do mal. A permanência dos discípulos no mundo, uma vez perdoados, é um ato de amor. Somos, a exemplo de Cristo, chamados a levar adiante o plano divino de “amar com amor gratuito” e suscitar a conversão dos que captam o amor e oferecer a própria vida, pela salvação dos que não captam o amor. Esta oferta é a “forma eucarística” de uma vida toda oferecida com Cristo por amor.
O discípulo de Cristo permanece neste mundo injusto e violento, onde existem ódio e divisões, no meio das tribulações, para reparar os seus pecados, mas igualmente para viver a “forma eucarística”, isto é, para fazer o bem aos outros, para dar frutos de salvação, para ser luz, sal e fermento no mundo (Jo 15,16; Mt 5,16).
Oferecendo a própria vida por amor, os discípulos completam na carne o que falta à paixão de Cristo “pelo bem do Corpo que é a Igreja” (Cl 1,24).
Esta é a beleza da oferta quotidiana ensinada pelo “Apostolado da Oração” que convida os fiéis a assumir a “forma eucarística”, unindo sua vida com Maria ao Coração de Cristo que se oferece na Eucaristia pela humanidade.
Assim, a Eucaristia não apenas dá a força para enfrentar, com coragem e amor, as tribulações – sem milagres e privilégios – mas dá-nos a luz para compreender o porquê de nossos sofrimentos unidos aos de Jesus Cristo. É o amor que se doa e sacrifica pelo bem dos irmãos e irmãs e pela vida do mundo.
O cristão, à luz da Eucaristia, não pede para ser liberado das tribulações e padecimentos que fazem parte do “estar no mundo”. O cristão aceita por amor, sem milagres e privilégios, permanecer unido a Jesus Cristo, fazendo o bem na Igreja e oferecendo na paz a própria vida, na expectativa da sua vinda gloriosa na plenitude do Reino.
A Eucaristia concede assim a “paz diferente” daquela que o mundo dá. É a “reconciliação” com o projeto divino, transformando o mundo e a sociedade pelo amor.
Senhor Jesus, sois vós que nos dais luz e força para amar e sermos capazes de oferecer convosco a vida “para que todos tenham vida”. Ensinai-nos a amar, convosco, sem milagres e privilégios, na total confiança no amor do Pai, na alegria de ajudar os irmãos e irmãs, a fim de que todos vos conheçam e encontrem a verdade e a vida. Amém.