*Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho
Após a profissão de fé de São Pedro, proclamando que Jesus era “o Cristo de Deus”, Ele mostrou as condições para ser seu autêntico seguidor (Lc 9,18-24). Claras suas palavras: “Quem quer vir após mim, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz todos os dias e siga-me”. Trata-se de perseverar diante das provações inevitáveis a este exílio terreno, suportando com paciência as dificuldades que vão surgindo. É a valorização cristã de qualquer sofrimento. No Evangelho, com efeito, tomar a cruz de cada dia tem no ensinamento de Jesus um caráter dinâmico, indissociável à missão do Filho de Deus. Como o próprio Cristo asseverou, Ele tinha que “sofrer muito”. Profundos os ensinamentos que fluem desta confidência que Ele fez aos apóstolos. Ele deveria ser visto por seus discípulos não apenas como o taumaturgo poderoso, mas também como o Messias sofredor. Ele seria incompreendido pelas multidões, e muitos que o aclamariam na entrada triunfal em Jerusalém clamariam por sua morte. Sua tarefa salvadora não seria decodificada e haveria os que O abandonariam. Ele combateria a favor dos pobres e dos humildes, enfrentaria os escribas e fariseus, perdoaria a muitos pecadores arrependidos. Além disto, carregaria uma cruz até o Calvário e, dentre os apóstolos, lá estaria apenas São João. Após sua morte e ressurreição é que os demais discípulos chegariam a uma compreensão total da razão de ser de seus sofrimentos. Sacrificariam suas vidas para testemunhar a divindade do “Cristo de Deus”. Jesus ordenara a quem o quisesse acompanhar que tomasse a sua cruz de cada dia e O seguissem exatamente porque todos os cristãos deveriam tomar parte na sua missão. Isto significaria não apenas mortificar as paixões, reprimir más tendências da natureza corrompida, mas, mais ainda, saber acatar as amarguras, as aflições que vão surgindo nas diversas etapas da vida de cada um.
São Paulo escreveu aos colossenses: “Agora me alegro por tudo que sofro por vós, e dou cumprimento na minha carne ao que falta às tribulações de Cristo! (Cl 1,24). É que a redenção operada pelo Filho de Deus foi na verdade superabundante e suficiente para salva a todos, mas os sofrimentos de Cristo, ainda que de valor infinito, têm necessidade, para que os seus merecimentos sejam aplicados, de serem completados por seus seguidores. Como afirmou Santo Agostinho,” Aquele que te criou sem ti, não te salvará sem ti”. É preciso caminhar com Jesus, mas cada um carregando a sua cruz de cada dia, porque a dele Ele levou até o Gólgota. Não apenas os desgostos de cada hora, dores físicas ou morais, mas também os combates pelo Evangelho, as lutas pelo bem, pela justiça, pela verdade. Tudo isto é um prolongamento da vida de Cristo, o Messias sofredor. O cristão, porém, que compreende a ordem de Jesus de carregar a cruz de cada dia, se torna mensageiro da esperança, porque Cristo, que tanto sofreu, ressuscitou imortal e impassível abrindo as portas do reino dos céus aos que viverem nesta terra seus ensinamentos. É a esta presença profética no mundo que seus discípulos são chamados. Quando Ele indagou: “E vós quem dizeis que eu sou” Ele não queria uma definição de sua pessoa. Desejava que O conhecessem, O amassem, para poderem dar testemunho verdadeiro do que Ele é para os que Ele veio redimir com tanta dor.
Muitos querem o céu nesta terra, um mundo isento de amargura. Entretanto, Jesus veio para partilhar as dores humanas, oferecendo a todos a capacidade de suportá-las de acordo com a visão salvífica de Deus. É a esta passagem pela cruz neste exílio que “o Cristo de Deus” chama seus seguidores para que passem pela provação e pela morte confiados na fidelidade divina que os aguarda na plenitude da beatitude eterna. Resultado feliz da maneira correta na qual se situou o verdadeiro cristão. Deste modo, todo discípulo de Jesus vive sua verdadeira identidade, reconhecendo-se cidadão do céu onde chegará seguindo os passos do Senhor sofredor. Deste modo fica vencido todo o falso dolorismo, pois Jesus não disse; ”Sofrei e então sereis meus discípulos”. É que o sofrimento não é um fim em si mesmo, pois caminhar nos passos de Jesus, tomando a cruz de cada dia, significa um encorajamento para valorizar todas as contradições. Trata-se da renúncia consciente de tudo aquilo que é decorrência da essência de um ser contingente, limitado, sujeito às intempéries internas e externas. Jesus não afasta seus fiéis das realidades humanas. Ele quer que seus seguidores vivam, a seu exemplo, carregando a cruz das dores próprias e alheias. É seguir Jesus e não perder de vista os passos do Mestre divino. É preciso, para isto ultrapassar as perspectivas pessoais para inscrever sua existência na fé de uma promessa de vida eterna. Aquele que então procura carregar sua cruz acompanhando Jesus, este fatalmente se salvará.
*Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.
Fonte: Arquidiocese de Mariana