… E aconteceu na história o grande Encontro: “O Filho de Deus assumiu a nossa condição humana, no seio da Virgem Maria, e veio habitar entre nós”.
Irmãs e irmãos, tantos séculos já se passaram e não foram suficientes para apagar da mente e do coração humano a imagem deste acontecimento ímpar na história da humanidade: impossível para uns, inacreditável para outros, misterioso e inexplicável para todos nós. Momento em que Deus vem até nós para que nos voltássemos a Ele; momento em que ele sela definitivamente uma aliança com toda humanidade em seu Filho, Jesus Cristo, que assume a nossa condição humana no seio da virgem Maria e vem para libertar, vem para salvar o seu povo, vem salvar a todos nós.
A Bíblia inteira não é senão a narrativa do amor de Deus pela criatura humana. As religiões nos mostram o ser humano em busca de seu Deus, mas nossa fé cristã católica nos ensina o que Deus fez a si mesmo por nós. Como se adiantou em todos os tempos para firmar aliança com seu Povo e, na plenitude dos tempos, mostrar-se definitivamente comprometido conosco, em seu filho Jesus Cristo, que sofre a paixão e morte de cruz para que tenhamos vida e vida em plenitude. Assim Deus amou o mundo, não poupou a vida de seu Filho, mas a entregou pela nossa salvação.
Neste tempo forte de penitência, oração e conversão, tempo de volta a Deus, a Igreja, Mãe e Mestra, atenta às necessidades de seus filhos e filhas, chama a nossa atenção para os sinais dos tempos e nos convida a uma adesão total a Jesus Cristo, há uma renovação do nosso compromisso de vida fraterna: “Nisto reconhecerão que vós sois os meus discípulos se vos amardes uns aos outros como eu vos amei” (Jo 13,34-35). A Igreja nos convida ao desprendimento dos bens deste mundo, a usar das coisas e das dádivas da natureza como um caminho que nos leva a Deus e nos compromete com a justiça, a vida e a construção da paz.
Nesta Semana maior, a Semana Santa, a Igreja nos propõe um reencontro com o mistério central da nossa fé: Jesus Cristo, o Filho de Deus, o nosso redentor. A seu exemplo, todos nós somos chamados a renovar e assumir, com coragem, a nossa vocação cristã: viver o dom, a graça, o compromisso com a fé, recebida no batismo; testemunhar Jesus Cristo: Caminho, Verdade e Vida.
Abramos, Sim, abramos nosso coração a Deus para que a Palavra divina penetre em nossas vidas como a água em terreno seco e frutifique como a semente em terra boa.
Queira Deus que esta semana seja marcada pelo encontro de todos nós com o Perdão de Deus, com a sua Palavra e o seu Amor, que nos torna livres (Jo 8,31) e nos faz, no mundo, ser instrumentos d’Ele a serviço da vida e da esperança.
Irmãos e irmãs, nosso Deus se encarnou, entrou na história para se encontrar conosco. Como vemos nos evangelhos, Jesus se encontrou com mulheres e homens, se encontrou com o pecado e com a virtude, com o amor e o ódio, com a vida e a morte… Seus encontros nos deixaram lições admiráveis de amor, acolhimento, justiça, misericórdia e Perdão… provocando em todos um novo sentido de vida e uma nova compreensão das coisas.
Foi assim, por exemplo, com Nicodemos, chamado a nascer do alto; com a Samaritana (Jo 4,5-42), chamada a beber da água da vida; com a mulher adúltera, perdoada de seus pecados, com a missão de não mais pecar; com Zaqueu (Lc 19,1-20) que acolhe Jesus para uma refeição em sua casa e entende que deve devolver a quem fraudou, quatro vezes mais; com Maria Madalena (Jo 20,1-18), que se faz discípula, anunciando, mais tarde, entre os primeiros, a ressurreição de Jesus; com Levi (Mc 2,13-17) que deixa a banca de coletoria de impostos para seguir Jesus; com os primeiros discípulos (Jo 1,35-51) que também deixam tudo e se fazem discípulos d’Ele; com o cego Bartimeu (Mc 10,46-52) que volta a enxergar e dá testemunho do salvador; com os discípulos de Emaús (Lc 24,13-35) que o reconhecem ao partir o pão, deixando de lado toda tristeza, agora compreendendo as escrituras, vão dar testemunho de que Jesus ressuscitou – Nós vimos o Senhor!
De fato, irmãos e irmãs, a história nos ensina: quem verdadeiramente encontra o Cristo, d’Ele dá testemunho e também de seu projeto de vida e salvação. A história nos ensina que para viver as alegrias da Páscoa, da Ressurreição de Jesus, é preciso, antes, viver as dores da crucificação. Não há páscoa, sem cruz!
Queremos aprender de Jesus, precisamos aprender com Ele:
Mas, voltemos nossos olhares para essas duas imagens e meditemos juntos sobre este dramático encontro. Este é, meus irmãos e irmãs, um encontro de cristãos que buscam na meditação da Paixão e Morte de nosso Senhor Jesus Cristo, a motivação necessária para a vivência na fé e na fraternidade.
Jerusalém vive um clima de expectativa, aproxima-se a festa da Páscoa. Um homem é condenado à morte. Para os sábios, um louco, para os simples, o Messias, o Salvador do Mundo. Seu pecado: ter-se autoproclamado o que verdadeiramente é, o Filho Filho de Deus, e amar profundamente a criatura humana.
De fato, que mal ele fizera? Não foi ele que ressuscitou o filho da pobre viúva de Naim, já a caminho da sepultura? Não foi ele que ergueu do pó o irmão de Maria e Marta, Lázaro, sepultado a mais de três dias? Não é este mesmo Jesus, aquele mesmo que pelas estradas da Samaria curara os dez leprosos; não é ele que só trouxera palavras e gestos de amor, de compaixão, de misericórdia, perdão e paz? Quanta ingratidão!
Consciente da Missão que recebeu do Pai, Jesus põe-se em direção aos homens, estabelecendo assim uma sucessão de encontros:
Houve encontros onde Jesus sentiu a boa vontade de seus ouvintes: um coração sensível, aberto a graça e disponível para servir a Deus nos irmãos. Mas houve também encontros difíceis em que pessoas e grupos se fizeram surdos à Sua Palavra, fechados em seu coração para não o acolherem e à sua proposta de vida e salvação, reveladora da misericórdia do Pai.
De fato:
Por sua coerência de vida e por sua fidelidade aos planos do Pai, Jesus é vítima da sociedade, das autoridades do povo, das autoridades de seu tempo – dos fariseus e dos doutores da lei que o rejeitam, mas Ele, até o fim, se mostra solidário ao ser humano, a quem veio remir e salvar.
Seu corpo está ferido, machucado pela violência dos soldados de Pilatos. Desfigurado, vítima da prepotência daqueles homens, Jesus com a cruz às costas se põe em direção ao lugar de sua morte. Segue pelas ruas de Jerusalém; por entre as pessoas vai passando. Uns olham curiosos e se perguntam: Quem é esse? O que andou aprontando? Outros não lhe dão confiança, são indiferentes, estão preocupados com consigo mesmos, com seus próprios interesses. Desconhecem que aquele homem, Jesus de Nazaré, é o Salvador deles, é o redentor de toda humanidade.
Que ingratidão! Podemos assim pensar e dizer. Mas, quantas vezes passa ao nosso lado, em nossa vida, o divino Salvador Cristo Jesus, na pessoa de nossos irmãos/as, e nós não fazemos caso dele? Inúmeras vezes nós o desprezamos e ridicularizamos na pessoa do menos favorecido, todo sujo e maltratado. Quantas vezes, nós o louvamos com os lábios, mas com o coração distante? Quase sempre o admiramos, sem nunca imitá-lo… “O que fizeres ao menor dos pequeninos, é a mim que o fazeis” (Mt 24,40).
Diz a música cristã, com propriedade: A quem nós servimos, quando partimos o pão do amor; a quem acolhemos, quando envolvemos de humano calor?
“O que fizeres ao menor dos pequeninos é a mim que o fazeis” (Mt 25,40)
Nestes instantes de dor, algumas pessoas muito especiais não poderiam ficar esquecidas, pessoas que Jesus encontra no caminho do Calvário.
Primeiramente, Jesus se encontra com Simão, o Cirineu. É um homem simples, homem do povo que marca presença. Os soldados de Pilatos obrigam Simão a carregar a Cruz. Simão, acostumado aos pesados trabalhos do campo, pega firme na cruz e suaviza o sofrimento do homem das dores. Dor partilhada dói menos. Simão descansa os ombros esfolados do Senhor, liberta as mãos que tanto abençoaram, alivia os pés doloridos do missionário incansável. Simão ajuda Jesus a carregar a cruz e assim colabora com Deus na obra da redenção. Quem celebra na vida o encontro com Jesus aprende a ser solidário, ajuda a carregar a cruz de seu irmão. É a solidariedade que aparece aqui como pilar da nova sociedade e como via de salvação.
Todos nós estamos convocados a esta mesma solidariedade. Num mundo de necessidades e de necessitados, não podemos esconder nossos dons e talentos. Todo cristão está intimado a ajudar seu irmão a levar a cruz; a partir e a repartir o pão; a acolher os abandonados e excluídos; a orientar os perdidos, a estar a serviço da vida e da esperança, educando-se para a fraternidade.
Sejamos, meus irmãos e minhas irmãs, “Cirineus” uns para os outros. O mundo carece não de dinheiro e de comida, basta ver que os bancos estão cheios de dinheiro e os supermercados de alimentos, o mundo carece de solidariedade, de partilha e de amor.
Quais Cirineus hoje, somos chamados a ser instrumentos de Deus, sendo dedicados, solícitos, sobretudo, em nossas famílias, missão primeira que Deus nos confia. Por vezes, quanto desencontro acontece ali: esposos que não se entendem? Pais omissos ante a missão de educar os seus filhos/as. Pessoas em família que não se falam, distantes umas das outras, às vezes por pouca coisa, vivem como estranhos, distantes uns dos outros… que tristeza, quanto sofrimento!
O encontro com Jesus Cristo deve nos levar à conversão de vida, a trazer em nosso coração os mesmos sentimentos de misericórdia e de perdão, tão próprios do coração de Deus; deve nos ajudar a vencer as diferenças e as inimizades, a refazer a convivência, anteriormente, fraterna e amiga, não só na família, mas também nos espaços de trabalho e da convivência social.
Ah, meu irmão, minha irmã, não deixe para amanhã o que você deve fazer hoje. Assuma como bom propósito para esta semana santa a reconciliação com Deus e com seus irmãos. Você verá que esta Semana Santa será pra você um tempo de verdadeira libertação e vida. Reconciliemo-nos uns com os outros, sejamos instrumentos da fé, a fomentar a cultura do encontro, do perdão e da paz.
Consideremos também, a partir da tradição cristã, o encontro de Jesus com a Verônica, no caminho do Calvário. Encontro que traduz solidariedade ao Cristo, solidariedade hoje aos irmãos e irmãs, enxugando o suor, a dor, as lágrimas dos cristos que sofrem, aos nossos dias, com as exclusões, insensibilidades e injustiças; com os que seguem em “caminho de cruz”… Encontro que nos faz compreender que o nosso coração, ornado na virtude, deve estampar a face de Jesus… Como aprender de Verônica hoje a ter coração de ir ao encontro do Cristo, a suavizar suas dores, na pessoa de nossos irmãos e irmãs mais necessitados, e ser sinal profético no mundo…?
Mas, irmãos e irmãs, voltemos à cena desse encontro. Como nos relata São Lucas em seu evangelho, na caminhada para o calvário, os amigos de Jesus permaneciam à distância. No meio de tanta gente, Jesus caminha só ou quase só. Pois, eis que surge e vem ao seu encontro aquela que o gerara, que o educara nos caminhos do Senhor e que o acompanhara na sua difícil missão terrena: é Maria, a sua Mãe.
Encontro especial: o Filho encontra-se com a sua Mãe dolorosa. Encontro confortador, garantia de solidariedade. Mãe e Filho se avistam. A multidão se comprime, mas a mãe não mede esforços para estar perto de seu filho, nestes últimos instantes de sua vida terrena.
Indiferente aos insultos e zombarias da multidão, à violência dos soldados, ela caminha corajosa à procura de seu Filho. Sabia que faltava pouco para perder o seu Filho e queria aproximar-se, um pouco mais para ver o que sobrou de toda aquela ternura; queria contemplá-lo ainda um pouco mais, para lhe prestar solidariedade, para oferecer-lhe seu amor materno. Que nobre e doce coração, irmãos e irmãs, uma mulher que cortada pela dor, ainda quer ser conforto para outras dores.
Aproximai-vos Maria, “Eis que vem o Senhor, ide ao seu encontro” e mostrai-nos hoje esta grande verdade: que a decisão de encontrar o Senhor depende unicamente de nós. Não é Deus que se afasta de nós, somos nós que nos afastamos d’Ele.
Aproximai-vos Jesus, Maria já sabe o que vós sofreis. Ela sofre na alma o que sofreis na carne. Que dizer deste belo e doloroso encontro, irmãos e irmãs? Não, não temos palavras! Deixemos que o nosso coração fale. Há silêncios que falam mais alto que muitos discursos.
Sim, meus irmãos e irmãs, são dois olhares que se cruzam, dois corações que se encontram e que dizem o que os lábios não são capazes de pronunciar. Mãe e Filho unidos no caminho da dor. Para Maria, este encontro traz em si toda a dor profetizada pelo velho Simeão “… E uma espada de dor transpassará o seu coração” (Lc 2,33-35). Que dor maior pode haver para o coração de uma Mãe do que ver o seu Filho ser morto e ainda por cima ser morto inocentemente?
Seria melhor que os nossos olhos se fechassem para não presenciar esta cena tão cruel; que os nossos ouvidos se tampassem para não ouvir as blasfêmias daqueles que com Ele seguiam para o calvário; que o nosso coração perdesse toda e qualquer sensibilidade para não sentir a dor que corta, a dor que dilacera o coração destes dois justos – Jesus e Maria. Eles se entregaram totalmente por nós, num gesto sublime de doação e amor. Ele, o redentor da humanidade, que fez seus os nossos pecados; ela, a corredentora, aquela que pelo seu sim incondicional aos Planos do Pai, possibilitou que a redenção pudesse ser realizada.
Imersos, por vezes, nos descaminhos e desencontros da vida; vivendo as tribulações e provações da vida, nós trazemos uma certeza: jamais nos faltará a proteção de Maria, nossa Mãe do céu, e de seu Filho Jesus, nosso Salvador.
Passados tantos séculos, irmãos e irmãs, a memória deste encontro ainda se faz necessária, por que muitos são os desencontros neste mundo, muitos são os desencontros entre nós:
Jesus está presente e sofre hoje:
Meus irmãos e irmãs, neste mundo, estamos de passagem. Ninguém tem aqui morada permanente. Tudo aqui tem o seu fim. A qualquer instante, Deus pode nos chamar. Para onde iremos? Iremos nos encontrar com Deus. A fé nos ensina essa verdade. Por certo, Deus vai nos perguntar o que temos para lhe apresentar? … Estava com fome, com sede, nu, desempregado, drogado, doente, embriagado, você me acudiu? (Mt 25,31-46). Este pode ser o nosso vestibular, nosso Enem. Pelo que você tem vivido até agora, você acha que passa nesta prova, neste vestibular?
Tenho certeza de que todos nós gostaríamos de dar um “sim” a Jesus. É preciso, então nos encontrar… com encontros que promovam e que respeitem o outro; encontros que devolvam à criatura humana o seu papel fundamental na obra da criação; encontros que resgatem para a pessoa humana a liberdade e a dignidade com que Deus lhe fez. Fomos criados por amor e para amar.
Meu irmão, minha irmã: contemple, mais uma vez, o Senhor dos Passos e a Senhora das Dores para você aprender a perdoar, para você aprender a não odiar o teu próximo, para você aprender a amar e a servir.
Vamos construir em nossos lares, em nossa comunidade, encontros de fraternidade, de solidariedade e de Paz. Deixemo-nos educar pela sabedoria do evangelho. Assumindo a cruz do dia-a-dia, caminhemos com Jesus e Maria até ao Calvário. Com um gesto de total entrega e confiança, procuremos amá-los por toda vida. Guardemos a fé, vivamos com amor a nossa vida e a nossa missão. Não podemos ficar em cima do muro. Que resposta, então, dar ao chamado de Deus, ao Amor de Deus?
Que este encontro nos torne conscientes de que, para o encontro maior com o Cristo, não podemos seguir de mãos vazias. Amém.
Pe. Marcelo Moreira Santiago