SERMÃO DAS DORES DE MARIA
“Ó vós que passais, olhai e vede se há dor igual a minha” (Lm 1,12)
Irmãos e irmãs,
Celebramos, neste dia santo, aquela que isenta de todo pecado, se fez corredentora junto a seu Filho Jesus. Ela sofreu na alma o que Ele sofreu na carne pela salvação do mundo. Celebramos Maria, a Senhora das Dores, Mãe da esperança cristã.
Como o profeta Jeremias, podemos dizer da Mãe de Deus “Grande como o mar é tua dor e ninguém pode consolar-te” (Lm 2,13), ó Senhora das Dores! Ao contemplar suas sete dores, possamos chorar os nossos pecados, causa de tão grande sofrimento, e possamos, igualmente, reconhecer o quanto Deus nos ama.
Queremos aprender contigo, Virgem Mãe, a dizer sempre SIM aos desígnios de Deus; a conformar nossa vida aos ensinamentos da fé; a enfrentar, corajosamente, as provações e durezas da vida, sem jamais esmorecer.
Maria sofre sua primeira dor ao apresentar seu Filho no Templo de Jerusalém e consagrá-lo, como primogênito, ao Senhor, em cumprimento à Lei Mosaica. Diz-nos as escrituras que Simeão, homem justo e piedoso, bendisse a Deus por aquele menino a quem saudou como “Luz das nações e glória para Israel”, para logo se dirigir à sua Mãe e dizer-lhe que aquele menino “estava destinado a ser causa de queda e seu erguimento para muitos em Israel… e que uma espada de dor haveria de transpassar a sua alma” (Lc 2,29-35).
De fato, tendo trazido ao mundo, em seu ventre sagrado, por obra e graça do Espírito Santo, o Filho eterno de Deus, Maria haveria de associar-se a Ele, o Cristo Jesus, e à missão que recebera do Pai: de dar a vida pela salvação do mundo. Precisamos aprender de Maria: mesmo diante das adversidades da vida, em tudo, fazer a santa vontade de nosso Deus e Senhor.
Não demorou muito e Herodes, então governador da Galiléia, quis matar o menino Jesus, obrigando, assim, José e Maria, juntamente com o menino, a fugirem para o Egito e viver em terra estrangeira, por algum tempo, enfrentando as durezas de quem, longe de casa, como migrante, tem que, literalmente, recomeçar a vida. É sua segunda dor.
Sinal luminoso da graça de Deus, Mulher forte que coloca sua vida nas mãos de Deus, Maria assim se solidariza com o sofrimento de tantos de nossos irmãos e irmãs que não têm os seus direitos mais elementares respeitados; vítimas das violências e exclusões de uma sociedade injusta e desigual que coloca no centro não a vida e a pessoa humana, mas o lucro e o consumismo; que força, pelo mundo afora, a migração de milhares de pessoas, a buscar sobrevivência, proteção e dignidade, nem sempre encontrando, na ordem dos países, as portas abertas e, por vezes, nem mesmo os corações humanos.
Uma das mais comoventes cenas de ternura e dor, nós a encontramos no Antigo Testamento, na passagem em que o jovem Tobias é enviado pelo pai para resolver negócios da família em terras distantes. Tendo demorado tanto tempo para retornar, sua mãe assim se lamentava: “Ai de mim, filho meu! Porque te deixei partir, luz dos meus olhos!” (Tb 10,5).
Por mais terna e dolorosa que seja esta passagem, não tem comparação, irmãos e irmãs, com a realidade do Novo Testamento, narrando, qual terceira dor, a perda do menino Jesus, sentida e chorada pela mais santa das mães, a Virgem Maria. Quanta amargura e queixa deixou escapar de seu coração materno: Filho, teu pai e eu, aflitos, te procurávamos!” (Lc 2,48)
Maria é diligente em procurar o seu Filho que estava perdido, é a dor da Mãe das mães que se solidariza com todas as mães aflitas a procurar pelos seus filhos perdidos, muita das vezes, nos descaminhos dos vícios deste mundo; é a dor da mãe que se solidariza com a perda da pessoa amada.
Apesar de sua aflição, a Mãe de Deus não se abateu, não sossegou; voltou logo à procura de seu amado Jesus, apoiada por José, seu santo esposo. Precisamos aprender, com Maria, a buscar sempre Jesus, a não perdê-lo de nosso coração, de nossa vida.
Mais sofrimentos Maria haveria de passar na configuração de sua vida à vida de seu Filho Jesus, na obediência aos desígnios de Deus. Lembramos agora, nessa quarta dor, a amargura que tomou conta de seu coração, no caminho do calvário, encontrando-se com seu amado Filho, carregando pesada cruz às costas, todo chagado, ensangüentado e caindo pelo caminho… Inocente, Ele foi condenado à morte. Vai morrer para nos libertar da morte, para nos dar vida, vai morrer pelos nossos pecados.
Maria acompanha Jesus, seu Filho. Aonde vais, mulher? Aqui ela não diz nada, sua alma está transpassada por uma dor atroz, diante da ingratidão e da violência humana… ela apenas caminha, vai ser crucificada, em sua dor, com seu amado Jesus.
Ela sofria no seu coração de Mãe aquilo que Jesus padecia na alma e no corpo. Mas ela não se deixou levar pelo medo ou por um falso respeito humano, como o fizeram os apóstolos e tantos a quem Jesus só fizera o bem. Ela seguiu, perseverante e corajosa, até o fim e dá, a todos nós, um belo exemplo, no seguimento de seu Filho, de coragem, firmeza e perseverança na fé.
Assim devemos fazer também nós, os irmãos/as de Jesus, os filhos de Maria: viver com firmeza a nossa fé até o fim de nossa vida. O tempo de dar os passos, como convém, o tempo da conversão em vista do Reino de Deus, é agora. Não dá mais para esperar. Este é o tempo particular da graça de Deus para nós, tempo de aprendermos com ela, a Mãe do salvador, a Senhora das Dores, a jamais abandonar, em nossas vidas, o seu Filho Jesus.
Sim, ó Mãe das Dores, se foi um duro golpe para o seu coração materno ouvir, ver e sentir tudo o que se passou com seu Filho Jesus, na rua da amargura, no caminho do calvário, queremos, igualmente, sentir, hoje, a dor de nossos pecados, causa de tão grande sofrimento. Queremos, à luz da fé em teu Filho Jesus e norteados pelo seu sublime exemplo, viver a solidariedade para com os nossos irmãos/as em suas muitas dores, comprometermo-nos com a vida humana e a vida no planeta que clamam por cuidado; comprometermo-nos a assumir, no serviço misericordioso, os rostos sofridos de tantos irmãos e irmãs, marcados pela pobreza e exclusão. Por vezes, tão perto de nós, como outros Lázaros dos nossos dias e deles nem nos damos conta.
Pouco depois esta dor se torna ainda mais profunda: Jesus é crucificado entre dois ladrões e Maria assiste à sua morte. É a quinta dor. Diz São Jerônimo: “Quantas chagas havia no corpo do Filho, tantas feridas no coração da Mãe”.
A constância heróica daquela Mãe que perde o seu amado Filho Jesus é lição para todos nós a nos ensinar a permanecermos firmes diante das cruzes e dores de nossa vida; a não fugir, como os apóstolos, mas levar com paciência as dores de cada dia; a sermos constantes e fervorosos na prática das virtudes e no cumprimento de nossos deveres; a sermos solidários, a estarmos ao pé da cruz de tantos crucificados hoje, vítimas das violências do mundo, dos vícios, das drogas, dos conflitos armados, da violência do trânsito, do consumismo desenfreado, do submundo do crime, da exploração sexual, da delinquência juvenil, das pestes…
Com o coração contrito, contemplemos agora a sexta dor, a dor de Maria quando desceram o corpo de seu amado Filho da cruz e o puseram em seus braços. Como o profeta Jeremias, ante a Jerusalém destruída, Maria parece dizer “Ó vós que passais pelo caminho, olhai e vede se há dor semelhante à minha dor” (Lm 1,12).
Ela tem em suas mãos o corpo de seu divino e amado Jesus que assim terminara sua missão na terra. Imaginemos o abismo desta dor em seu coração de Mãe. É uma dor indescritível, tamanha a crueldade com que agiram aqueles que crucificaram o seu Jesus.
Contudo, em seu coração materno, em meio à grande dor, só existe amor e amor verdadeiro; amor como o amor de Deus que não poupou, mas entregou seu Filho para a salvação do mundo. Mesmo amor, na dor, tem a mãe que perdoa os algozes de seu Filho e a todos nós pecadores, causa deste sofrer. Em tudo, ela procurou espelhar-se em seu Filho Jesus. Ela também perdoa como Ele fez na cruz: “Pai, perdoai-lhes porque eles não sabem o que fazem” (Lc 23,34).
Faze, o Mãe, fonte de Amor, que sintamos em nós tua dor, para contigo chorar e encontrar, em teu regaço, forças para servir, amar e perdoar as muitas injúrias, calúnias e violências sofridas. Seja o nosso coração como o teu, pronto em tudo para realizar a santa vontade de Deus, segundo os desígnios de seu coração compassivo e bom.
A última dor, irmãos e irmãs, é a dor da soledade. Maria sofre a dor da solidão, a dor da saudade, ficando sem Filho nem vivo e nem morto. Noite dolorosa, noite triste, porque se ocultara o sol da justiça e se eclipsara de dores o coração da Virgem Maria.
Terrível golpe para quem é Mãe, sepultar o próprio Filho morto. Quantas lembranças não terão passado, naquele instante, na mente e no coração daquela senhora! De quantas alegrias e dores terá ela recordado da vida com seu Filho?… Doíam, profundamente, no coração daquela Mãe os estragos causados pelos crimes da humanidade, causa da morte do seu Jesus, do seu Filho amado.
Mas ali não havia nem ódio, nem espírito de vingança, nem se multiplicavam os muitos “porquês”, como que a cobrar de Deus, o Pai celeste, respostas diante de tantas adversidades e provações da vida. No coração de Maria existia tão só amor e compaixão. Amor de quem entregou totalmente sua vida a Deus e compaixão de quem se solidariza a seu Filho pela salvação do mundo, pela salvação de todos nós.
Aprendamos com ela a amar e a servir; a viver com mais desapego diante das coisas deste mundo, a sermos perseverantes no bem e na fé – em tudo, como ela nos ensina com a sua vida, em tudo, “fazer o que Ele, seu Filho, nos disser” (Jo 2,5).
Senhora, ao terminar estas palavras, queremos bendizer a Deus por tudo que sofrestes por nós, ensinando-nos a coragem da fé de quem se confia a Deus e se compromete com as dores do mundo e da humanidade para que “todos tenham vida e vida em plenitude” (Jo 10,10).
Guarda-nos, ó Mãe, sob teu manto sagrado. Cuida, Senhora, de modo especial dos pequenos e pobres e faze-nos instrumentos teus e de teu Filho para amar e servir, como tu fizeste em todos os dias de tua vida.
Conceda-nos, Senhora, viver com fruto esta semana maior, sobretudo o Solene Tríduo Pascal que se aproxima, memória de nossa salvação – da Paixão, Morte e Ressurreição de teu Filho Jesus, a alimentar em nós a fé, a conversão dos pecados e o compromisso de evangelizar como Igreja viva, a partir de nossas famílias, verdadeira comunidade eclesial missionária. Amém.
Nossa Senhora das dores, Mãe da esperança cristã – rogai por nós!
Padre Marcelo Moreira Santiago