Pe Adilson Luiz Umbelino Couto
O ano de 2020 já está quase terminando. Daqui a alguns dias, começa novo ano. Desejamos, confiantemente, que aos poucos as coisas possam ir voltando ao normal, depois desta grande pandemia. No entanto, pairam ainda muitas dúvidas e inquietações no coração de todos nós. Entrando em contato com muitos textos e estudos já realizados, encontrei uma série de reflexões de José Lisboa (meu professor na especialização em Belo Horizonte) que reescrevi adaptando para nosso tempo, e pensei ser oportuno partilhar com todos. O título desta primeira parte, na perspectiva vocacional, é o chamado a recomeçar. Considerei que deveria permanecer com o mesmo título, iluminado pela inspiração do Evangelho de Mc 10,49b, “Coragem, levanta-te”.
Este período do ano de 2020 nos faz lembrar muito uma característica da vida humana e, particularmente, da vida cristã. Se quisermos progredir na vida temos sempre que recomeçar, reiniciar, retomar o caminho. Por essa razão podemos afirmar que o itinerário vocacional cristão comporta um permanente retomar a vida. Aliás, essa concepção está subentendida na expressão evangélica metánoia (cf. Mc 1,15) que as versões bíblicas em português costumam traduzir como conversão e arrependimento. Na verdade, porém, metánoia significa reviravolta ou, mais precisamente, refazer por completo o caminho, voltando ao ponto de partida e começando tudo de novo. Longe de ter uma conotação moralista de mero arrependimento, essa expressão evangélica revela a necessidade de mudar por completo os esquemas mentais e práticos e retomar a vida de uma outra forma. Paulo dirá a mesma coisa, mas de uma outra maneira (cf. Fl 3,7-9).
O chamado a recomeçar manifesta também o desejo de Deus de sempre oferecer à criatura humana uma oportunidade, uma chance. De fato, como afirma uma das cartas pastorais atribuídas a Paulo, Deus não quer que a pessoa se perca, mas se salve pelo conhecimento da verdade (1Tm 2,4). Assim sendo, ele é o Deus da misericórdia que está sempre oferecendo aos seres humanos a possibilidade de retomar o caminho e de encontrar a realização plena da vida, uma vez que a salvação nada mais é do que a plenificação do existir humano.
Pelo chamado a recomeçar percebemos o desejo de Deus de nos dar uma nova oportunidade. Através de seu Filho ele nos oferece uma nova chance, a possibilidade de recomeçar a vida de uma forma bem diferente e mais humanizante: “Eu também não te condeno: vai, e doravante não peques mais” (Jo 8,11). Aqui, porém, encontra-se o grande desafio, pois, infelizmente, a nossa tendência é recomeçar, sim, mas tudo do mesmo jeito, da forma como era antes.
Juvenal Arduini no seu livro Ética responsável e criativa (Paulus, 2007) chama a nossa atenção para esse detalhe. Ele também está convencido acerca da necessidade de resgatarmos a verdade por meio do recomeço, de uma nova história. Mas insiste em dizer que é preciso recomeçar sempre, ou seja, reelaborar a própria história até o final da própria existência. Precisamos, a cada momento, sem descanso, nos reinventarmos, nos reelaborarmos. Arduini, porém, constata, não sem certa frustração, a tendência no ser humano à estagnação e à repetição. Temos medo da novidade, pois ela nos incomoda e, por isso, sempre no dizer de Arduini, preferimos a “cronologia repetitiva”, carregando eternamente “traços hereditários inalterados”.
Portanto, conformismo, comodismo, estagnação, o medo de realmente recomeçar. Passar a vida fazendo fotocópias, com medo da novidade e da diversidade. Eis os grandes riscos para os vocacionados e as vocacionadas. Trata-se, na verdade, de uma grande anomalia vocacional que muitas vezes é alimentada na justificação de que as novidades e as diferenças geram divisões e impedem a unidade. O resultado disso é uma Igreja extenuante, lesada, enfraquecida, apática e melancólica. Um verdadeiro marasmo.
Esperamos que no recomeço, depois deste tempo árduo e desafiador, não percebamos pessoas do nosso meio vivendo na mesmice. E que venham logo dizendo que já estão cansadas e esgotadas e não veem a hora de chegar as férias. Às vezes o cansaço se deve ao fato de que voltou a fazer tudo do mesmo jeito, como antes. Não introduziu nem sequer uma pequena mudança no seu quarto ou ambiente de trabalho.
A retomada das atividades, depois desta pandemia, servirá para nos lembrar que também no caminho vocacional pode acontecer a mesma coisa. Até chegamos a recomeçar, mas sempre da mesma forma. Por isso logo vêm o cansaço e o desânimo. E em pouco tempo estamos nós sendo apenas meras máquinas repetitivas e a nossa atividade algo que dá tédio para si e para os outros.
Não esqueçamos, pois, que a dinâmica vocacional está na novidade. O Deus que chama não quer meros repetidores, mas pessoas criativas, audazes, capazes de muita novidade: “Eis que faço novas todas as coisas!” (Ap 21,5; cf. Is 43,19). Recomeçar repetindo o superado e ultrapassado é não se sintonizar com o Deus que está sempre inventando novidades.